O grande bingo
O Grande Bingo
Cinthia Marcelle e Marilá Dardot*
Era sábado quando resolvemos sair em busca de um caminho perdido. Pegamos a Andradas, uma avenida que margeia o Arrudas, ribeirão que abriga a rede de esgoto da cidade. Seguimos o fluxo desse rio que em algum momento daria num lugar qualquer. A reta que até então nos conduzia chegou ao fim e virar à esquerda foi a nossa única opção. Atravessamos uma linha de trem. Do lado de lá um bairro desconhecido, cheio de casas antigas com portões baixos. Íamos explorando esse novo mundo e mais uma vez só nos era possível virar à esquerda. Adiante e à esquerda novamente; de longe uma única luz iluminava a rua encontrada. Uma porta de garagem suspensa com mesas e cadeiras verdes, uma televisão ao fundo e uma grande quantidade de papéis espalhados pelo chão. BINGO! foi o que ouvimos do lado de fora.
Voltamos várias vezes àquela estranha comunidade encontrada por nós ao acaso. As pessoas ali eram sempre as mesmas, talvez vizinhos de bairro, e pareciam comungar da esperança de algum encontro – o jogo era apenas um meio de intermediá-las.
O Grande Bingo é um jogo/performance que aparentemente funciona como um bingo qualquer. Os jogadores compram uma cartela com 17 números, vendida por R$1,00. Cada um pode comprar apenas uma cartela. O jogo começa: Cinthia e Marilá vão cantando as bolinhas numeradas tiradas do globo; simultaneamente, a mão com a bolinha aparece em close no telão. Ao completar a cartela, BINGO!, todos vencem ao mesmo tempo, pois todas as cartelas têm impressos os mesmos números, ainda que em ordem diferente. Todos recebem o prêmio, que é igual ao valor arrecadado dividido pelo número de vencedores. ou seja, R$1,00.
A primeira vez que fizemos O Grande Bingo foi no Rio de Janeiro, durante o Alfândega, evento que abrigava numa só noite várias performances, shows, projeções de vídeo etc. no Armazém 5 do Cais do Porto. Em um mezanino que ficava num canto montamos mesas com toalhas vermelhas e cadeiras, como num salão de jogos. Na frente ficava a mesa com o globo, e ao fundo uma projeção em tempo real das bolinhas sorteadas. Algumas horas antes vendíamos as cartelas ao público da festa. O Grande Bingo começou com atraso. Íamos cantando as bolinhas ao microfone, e os jogadores entusiasmados comemoravam os números marcados. A certa altura começou um show lá embaixo e tínhamos que gritar os números, então as luzes se apagaram e foi um caos. Mas os jogadores permaneceram, esperavam o final que já previam: a hora da festa, da alegria geral em que todos iam ganhar juntos.
A experiência em São Paulo foi menos tumultuada, sem falhas técnicas. Era o Sábado de Performances na Galeria Vermelho. Dessa vez as mesas eram brancas e usamos uma TV para mostrar as bolinhas que tirávamos do globo. Era um final de tarde ao ar livre, e crianças ansiosas contribuiam para o clima de empolgação. Uma mesa de amigos que já conheciam o jogo tentava disfarçar, comemorando nas horas erradas. Mesmo assim todos perceberam logo que eram marcados os mesmos números. E ficaram esperando o grito final. BINGO! gritaram levantando-se das cadeiras, compartilhando a alegria de uma vitória coletiva.
*Cinthia Marcelle e Marilá Dardot vivem em Belo Horizonte e trabalham juntas desde 1998.