Hay que crear tensión: o jogo de Leo Bassi
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Entrevista de Kátia Maria Kasper* com Leo Bassi, realizada em 04 de agosto de 2002, Belo Horizonte, no Galpão Cine Horto.[1] Ocasião em que esteve no Brasil para estréia de seu espetáculo 12 de setembro.
O encontro com Leo Bassi – um palhaço, um clown que vive na Espanha, cujos antepassados, os primeiros Bassi, começaram o trabalho com palhaço no circo da família, em 1850, na Itália, em Firenze [2] – produz um efeito fulminante. Nos dias de hoje, ele é um dos grandes clowns mundialmente reconhecidos, criador de um trabalho profundamente original, forte, assustador, em alguns casos. Extremamente político, no sentido anárquico. Talvez, o inesperado de Leo Bassi seja que, com ele, sentimos medo; trabalha muito o suspense, a tensão. Exerce um domínio fantástico sobre o público, levando-nos a sentir medo mesmo sabendo que nada de grave pode acontecer. Ou pode?
Leo Bassi está preocupado em produzir um efeito no público tal como o circo produzia antes da televisão, quando era, segundo ele, “um lugar de conhecimento científico, de surpresa, de novidade. Era um lugar político.” Os palhaços não eram só para crianças. “Eram cômicos, fortes, inclusive políticos e com muito de anarquia.” Estavam ligados a esse universo da liberdade, da política e da anarquia. O circo era um espetáculo para todos os sentidos, provocava riso, choro, surpresa, medo. Falava-se de tudo, de guerras, da política. Havia muitos tipos de circo, mas todos tinham muita vitalidade. Seu pai e seu avô sempre lhe falavam desse circo do passado, que era uma aventura contínua.
Mas ele não quer voltar ao passado e sim, conectado com as forças de nossa época, produzir um palhaço com aquela potência anárquica. Foi assim que construiu seu trabalho. Saiu do circo familiar e foi trabalhar nas ruas, com todas as dificuldades que ela apresenta, procurando construir algo próprio. Contrariamente ao palhaço que se vestia de pobre, com as roupas esquisitas e os sapatos grandes, o seu palhaço veste-se de executivo: terno preto, óculos e maleta preta. Os motivos para isso estão explicitados em nossa entrevista. Em seu espetáculo 12 de setembro, entra vestido com seu terno preto, óculos e maleta de executivo, só que desta vez todo empoeirado, como o americano na foto que apareceu no New York Times, no dia 12 de setembro, da agência Reuters, atribuída a Anderson Schneider, salvo engano.
Com Leo Bassi, o jogo do palhaço não termina e se estende a esferas do cotidiano. Ele procura esgarçar, ampliar o campo do jogo. Jogo como brincadeira e também como um modo de existência que questione os limites da racionalidade. Sempre jogando junto com o público -no que é mestre. Atualmente ele promove também um “turismo pelo pior de Madri” em seu Bassibus.
O humor de Leo Bassi destaca a inocência, no sentido de que não se teme o julgamento. A força dos palhaços é que eles não têm medo de perder a dignidade, afirmou Leo Bassi. Isso os torna livres. “O palhaço não pensa no que os outros pensam dele. Esse é um dos problemas das pessoas importantes; também o da publicidade, a imagem, a marca. A força do palhaço é de ter a liberdade de não ter aparência.”
Quando destacamos a potência política do palhaço não nos referimos à transmissão de uma mensagem. Essa seria provavelmente a mais óbvia e menos criativa das dimensões do político. Referimo-nos, entre outras coisas, à sua potência anárquica e Leo Bassi evidencia isso.
O clown não é nem um personagem, nem uma imagem: uma figura vestida de determinado modo. Em nossa perspectiva, o palhaço é uma multiplicidade, uma potência. Através de Leo Bassi, por exemplo, podemos ver o quanto se pode ser palhaço independentemente da roupa e da maquiagem. Por outro lado, afirmar que o clown não é uma imagem não significa diminuir o valor dos palhaços que atuam nos moldes mais clássicos (com maquiagem, nariz vermelho, realizando números, etc), como por exemplo, Xuxu, o maravilhoso palhaço que Luiz Carlos Vasconcelos começou a criar em João Pessoa, na Paraíba, em 1977. Xuxu também aciona, a seu modo, toda a potência do palhaço – toda essa capacidade de nos transportar para o seu mundo e nos devolver transformados, ou, dito de outro modo, de nos abrir mundos outros. Em outro momento (uma publicação posterior) nos deteremos em nosso encontro com Xuxu, mas agora vamos a Leo Bassi.
*Kátia Maria Kasper é doutora na área de Educação, Sociedade, Política e Cultura, pela Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP.
[1] Entrevistei Leo Bassi para traçar sua trajetória em minha tese de doutorado: Experimentações clownescas: os palhaços e a criação de possibilidades de vida. Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), desenvolvida junto à Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), defendida em fevereiro de 2004. A tradução do espanhol é minha.
[2] Conforme afirmou em sua aula aberta (Belo Horizonte, Galpão Cine Horto, dia 03 de agosto de 2002)
Bibliografia
BASSI, Leo. L’école de la réalité. In: FABRI, J. e SALÉE, A. (orgs.) Clowns e farceurs. Paris, Bordas, 1982. pp. 147-8.
FRATELLINI, Annie. Destin de clown. La Manufacture, Lyon, 1989.
KASPER, Kátia Maria. Experimentações clownescas: os palhaços e a criação de possibilidades de vida. Tese de doutorado. Campinas, Faculdade de Educação/UNICAMP, 2004.
LEVY, Pierre Robert et SERRAULT, Michel. Les Fratellini: trois clowns légendaires. Arles, Actes Sud, 1997.