Editorial 23
Essa edição da revista Alegrar é composta por textos cujo desejo de criação convoca nossa atenção. Experimentações diversas, cartografias, encontros. Potência da delicadeza, talvez nem tão visível nas dimensões micro e macropolíticas da contemporaneidade brasileira.
Amaranta G. Krepschi e Ivy Ota Calejon nos arrastam nos movimentos do rio ao rio, a cidade. Escrita em aventura com a cidade do rio de Piracicaba. Pergunta a propósito de procedimentos produzidos para abrir estados de escrita. Corpo ativo. Vermelho. Azul. Ler para o rio. Bordar com o rio. Falar de amor. Nas ruas, lilás, mulheres, em 2018: ele não! O rio, os corpos, o rio, a escrita.
A sutileza e a alegria nos Discretos rumores, de João José Gomes dos Santos. Ensaio em saltos, anunciando um “discreto rumor impessoal”, que arrepia os pelos e racha a pele endurecida, “abala os músculos e ossos do corpo coagulado e implode o edifício do Eu estagnado. Rumor discreto, rumor anônimo que anuncia o incessante começo, como na infância sem rosto que retorna uma vez mais deixando atrás de si um rastro de incêndio, destruição e festa. Pois nada continua o mesmo após se ouvir o rumor impessoal, nada permanece o mesmo após a passagem incendiária da infância. É justamente nas ruinas deste corpo que se abrem caminhos por toda parte.”
Jessica Rocha e Rodrigo de Oliveira Feitosa Vaz nos tocam com “Ninguém sabe por onde anda uma linha de fuga”: Das estrelas-cadentes que cruzaram o nosso caminho. Linhas feiticeiras de escrita, com experimentações, “cortando com o cerol de uma brincadeira marginal”. Ela “pensava o devir planta, devir xamã e os demais agenciamentos cósmicos, alguns até imperceptíveis que nela se atualizam a partir de sua experiência com o Santo Daime.” Ele “voltava aos tempos em que se sentia bicho, correndo na rua e brincando na chuva.” Uma criança os espreitava. O que fazer com o que vemos? Eis uma das muitas questões que atravessam o texto.
Em Um encontro com o acontecimento, Larissa Cristina Brandão Cardoso e Flaviana Gasparotti Nunes afirmam que “o processo educativo e o cotidiano escolar compõem-se de encontros de corpos nos quais os acontecimentos são suscitados por perspectivas oficiais de comando que, no entanto, são atravessadas por algumas rasuras, de forma coexistente.” Entre as aventuras e deslocamentos de Olivia, uma professora de geografia, vamos desconfiando de que aquilo que é ensinado é aprendido, enquanto se abrem outras possibilidades de pensar os processos educacionais.
Os sonhos do poeta acordado, ensaio de Marina dos Reis, escrito a partir da conferência de Freud “El poeta y los sueños diurnos”, de 1907, “sobre o brincar da criança e as fantasias do poeta adulto. Conforme a autora, “desfiando essa ideia, deixamos fiapos para uma leitura pela perspectiva da Filosofia da Diferença em Educação, porque entendemos que a docência é um estado poético em aberto, talqualmente um sonho.”
Gênero, ruralidades e trajetórias de mulheres em resistência, de Rosemeri Völz Wille e José Ricardo Kreutz, cartografa o encontro com cinco mulheres assistidas pela EMATER, Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, de Canguçu (RS). Aborda questões de gênero no contexto rural, perguntando a propósito de “possíveis resistências das mulheres camponesas.”
Um devir revolução: Economia solidária e singularidade, artigo de Moisés José de Melo Alves, Laís Vargas Ramm e Édio Raniere, aborda relações entre filosofia da diferença e economia solidária. Pensando com Deleuze e Guattari, atentando-se aos processos de formação da subjetividade e da promoção de “desvios ao que se está instituído através da valorização das subjetividades e do desejo, sendo este último visto como a principal potência produtiva.” Ressalta a importância da economia solidária para as transformações sociais, suas relações com a autogestão, os processos de singularização e as revoluções moleculares.
Em “Aulas-encontro” como agenciamento coletivo clínico: cartografando intensidades para fabricar conceitos, Rogério Machado Rosa cartografa os afetos produzidos nos encontros das aulas de uma disciplina do Programa de Pós-Graduação em Educação – PPG, da Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Inspirado no paradigma ético-estético-político, desdobra pensamentos a propósito da “ideia de ‘encontro’ como espaço clínico de criação de conceitos”.
Delicadeza presente nas Cartas sobre cuidado, de Nicolle Catanio e Bruna Moraes Battistelli. Cartas que contam ao mesmo tempo “um percurso de escrever e pensar o trabalho que ocorreu em um Centro de Referência em Assistência Social (CRAS). São cartas que pensam o cuidado e buscam ofertar uma escrita da experiência. Múltiplos são os destinatários, e assim, escrever segue como uma experiência de si. Uma dobra proporcionada pela escrita de cartas.”
Boa Leitura!
Kátia Kasper e Juliana Gisi