Dossiê: Corpo e Educação – Apresentação

O que é fazer pesquisa em Educação num campo cuja singularidade é um atravessamento de linhas, forças e escritas? Movemo-nos aqui entre disciplinas, gêneros, conceitos, fronteiras e regiões para pensar a educação por outros modos. A composição de ensaios aqui agenciados foge do fixo e se desenha no entrelugar, no encontro com o diferente.

Seria este também um modo de pensar a Educação? Uma alteridade radical? Estas provocações foram tomadas como pré-texto para a produção deste conjunto de ensaios sob uma ótica interdisciplinar. O pensar dos amigos da filosofia, da literatura, do teatro, da dança, da educação se encontra em torno do pensamento-corpo e faz conhecer a contemporaneidade da pesquisa em Educação como produção da diferença. Imagem aqui é um processo de pensamento que apresenta não apenas textos inéditos, mas condições de fala, pois disparam relações e convidam o/a leitor/a a circular indisciplinadamente entre heterogenias.

O Dossiê: Corpo e Educação impulsiona encontros insólitos entre pesquisadores do norte e do sul do Brasil, entre as Universidades Federais do Tocantins (UFT), Santa Catarina (UFSC) e do Rio Grande do Sul (UFRGS). O entrelugar nos interessa e lança dilemas a propósito de como pensamos e realizamos pesquisas sobre/com/em imagem na Educação. Afinal, quais experiências intervalares provocamos nas pesquisas contemporâneas?

Em Spinoza vai ao teatro, de Renata Ferreira da Silva, há uma investigação sobre o sentimento do corpo. Como se dá o pensar no corpo? Como esta questão pode ser vista do ponto de vista do corpo do/a ator/atriz? Como esta discussão contamina o campo da pedagogia teatral na qual, muitas vezes, inspirados por tantos diretores–pedagogos afirmamos que só podemos sentir algo na medida em que esta coisa sentida se transformar em corpo? Seguindo o sentimento do corpo o ensaio recolhe traços do encontro com a filosofia. Estes traços lançam algumas ferramentas conceituais que são tensionadas junto à pedagogia teatral na suspeita de causar encontros potentes, acontecimentos, ressonâncias.

Notas esparsas sobre o contágio, de Eduardo Silveira, apresenta a escritura de eventos contagiosos que se tocam transgressivamente em audaciosa proliferação. Cada uma das notas apresentadas propõe um possível encontro com o movimento próprio do contágio através dos corpos em devir-outro. E não seria em encontros contagiosos que o corpo entra em crise, desestabiliza-se, finca-se no presente e invade a zona da incerteza e criação? O contágio enquanto condição de liberação de uma vida minoritária, potente. O contágio por um palhaço sentido no corpo toma conta da escritura. É o palhaço que passa a germinar no corpo, estabelece uma aliança e constituiu uma multiplicidade em expansão através das vísceras, desejos e olhares.

Corpo: materialidade corporal e intensidade corpórea, de Wagner Ferraz e Samuel Edmundo Lopes Bello, mostra um corpo que se constitui de movimentos infinitos, esses em suas variações podem produzir fissuras no pensamento da representação se tornando ato de pensar – criação. É no corpo, com e pelo corpo que se atinge o impensado e se cria uma vida, educando a si mesmo nas experiências de um corpo que se torna e, de um corpo que se vem a ser. Como pensar a criação em corpos que são educados para se tornar identidades fixas e estáveis? Um corpo se constitui no movimento da vida, tendo seu aspecto material e pensamento imbricados, em uma imanência, não se tratando do dualismo corpo e mente. O corpo vem a ser a condição para constituição e educação de si, a criação de novas imagens no ato de pensar.

O menino e a concha: um grão de poesia no corpo que dança, de Julia Terra Denis Colaço, traz o corpo-concha como símbolo da possibilidade e potência, concha que conserva uma espécie de devir-infância: o corpo que dança. Corpo-concha que preserva a dupla relação de acolhimento do interno e do atravessamento com o mundo, corpo-concha que se abre para a intensidade, aponta para uma poética do esvaziamento e acolhe a experiência do outro, uma poesia do “entrecorpos”. O ensaio pensa a dança como produção da diferença, o corpo em devir-outro, o corpo como um grão de poesia.

Toyi-Toyi: a dança sul africana entre a memória e o perdão, de Ida Mara Freire, põe em evidência a noção de corpo nacional da África do Sul, país que dança. Para o povo africano, música e dança não são luxos, mas parte e parcela de seu modo de comunicação. Qualquer sofrimento que experimentam se faz mais real por meio da canção e da dança. Ao dançar pelas ruas o Toyi-Toyi, o povo sul-africano parece abdicar de seus projetos individuais, e, por um instante, entre um passo e outro, e nas transposições do movimento entre o corpo de um indivíduo e do outro, dá-se conta do porvir. O ensaio indaga: de onde vem essa noção de corpo nacional tão explícita nos prolegômenos da constituição da África do Sul, iniciada com o “Nós, povo da África do Sul”? Neste ensaio, algumas “corpografias” de uma memória compartilhada transparecem.

Entre o porão e o sótão: devaneios em torno do ser professor/a de teatro, de Renata Patrícia da Silva, localiza a discussão numa conversa que transita por pensamentos e devaneios poéticos, entre escola e a Universidade. Aqui, rabiscam-se algumas páginas acerca da formação do/a professor/a de Teatro, privilegiando o campo da imaginação, que se dá pelo atravessamento do corpo, lançando-o no espaço-escola, a fim de provocar sua “percepção” e seu “devaneio poético”.

Corrida de rua: aprendizagens no tempo presente, de Jane Petry da Rosa e Leandro Belinaso Guimarães, desterritorializa a discussão para um outro lugar, para um corpo que corre, que encontra outros corpos e se encontra. Braços que se movem rapidamente, pés que pisam firme no solo, respiração compassada, muitas vezes ofegante, mente em estado de contemplação ou em ebulição. A corrida de rua, um fenômeno sociocultural contemporâneo, é praticada em todo o mundo, por pessoas com interesses distintos que “desfilam” seus corpos no asfalto, na areia, em praças, trilhas, parques. Que tipo de ambição, penitência, promessa ou diversão leva-os a percorrer dez, quinze, quarenta e dois quilômetros? O que esta prática produz? Que aprendizados é capaz de processar?

Cada um dos movimentos oferece ao leitor/a um conjunto de pequenas pedagogias, para habitar, pensar e imaginar possibilidades de pesquisa em educação. Este também tem sido o movimento que propomos percorrer com o Grupo de Pesquisa Transver (UFT), que arrisca caminhar nas fronteiras dos estudos da Educação, Comunicação e Arte.

Amanda Maurício Pereira Leite e Renata Ferreira da Silva (organizadoras do dossiê)