Christian Pierre Kasper*

Foi caminhando ao longo de uma dessas avenidas gigantescas que atravessam São Paulo que me encontrei com Luciano. Percebi primeiro, de longe, uma silhueta que me chamou a atenção por seu modo estranho de se movimentar. Só quando cheguei mais perto que sua roupa apareceu por si mesma.

Perguntei a respeito de seu estranho equipamento. Disse-me que era feito para viajar: proteção anti-bombas, pois ia para os Estados Unidos. Para San Francisco, precisou, onde ia se casar com “a cantora”. Quando me apresentei, Luciano percebeu que eu era estrangeiro; eu disse que era suíço, e ele exclamou: “como a cantora!” Mas, logo tomado por uma dúvida, perguntou: “Suíça e Suécia, é a mesma coisa?” Respondi que não, e ele disse então: “Roxette é da Suécia”.

Além de seu aspecto, o traje de Luciano constitui uma espécie de aparelhagem corporal. Para ele, que o apresenta como um equipamento de sobrevivência, num mundo onde as explosões ameaçam, e para quem o observa, produtor de uma postura e de movimentos singulares. A posição de sua cabeça, em particular, se deve a um colar, feito de papelão e de plástico, que a mantém erguida, um pouco à maneira de um colar anatômico. Os diversos pesos pendurados ao seu corpo dão a seus movimentos a lentidão dos gestos de um astronauta. Os saquinhos pendurados a seus braços e suas pernas são recheados com cartelas da Mega Sena.

Todo os dias, Luciano amarra sua bandeira num poste, na beira da avenida, e espera. O olhar perscrutando o horizonte, ele aguarda a nave que vai levá-lo para os Estados Unidos.

 

 

 

*Christian Pierre Kasper é doutorando em ciências sociais na Unicamp. Pesquisa a cultura material de moradores de rua de São Paulo.